confissões de um homem ansioso

As Forças Armadas do Brasil têm me tirado o sono.

Não é algo que tenha a ver com a maldita intervenção no estado do Rio de Janeiro, não.  Nada que ver com criancinhas revistadas na entrada da escola e as pobres famílias da favela sendo oprimidas por uma ocupação provavelmente mais desastrada que a cavalaria francesa na batalha de Azincourt (sim, sou fissurado por história militar e, aviso ao leitor, este texto é cheio de referências a isso).

Sofro de ansiedade e insônia. Eis a razão de minha insônia, e o estopim das minhas crises de ansiedade: o sucateamento das corporações militares brasileiras, e a sua inoperância em caso de uma possível invasão estrangeira.

É, para mim, extremamente doloroso escrever estas palavras, abordar o assunto de frente e sem pestanejar, e quando penso na inabilidade geral de nossos combatentes dentro das situações hipotéticas que venho imaginando para eles, chego mesmo a sentir palpitações no coração.

Continuar lendo

de como acessei as memórias de uma vida passada durante o carnaval de rua em São Paulo

Estou entre o ceticismo e a fé.

Não possuo talento para religião alguma.

Coisas misteriosas sempre aconteceram.

Venho frequentando um terapeuta holístico há mais ou menos dois meses. Minha intenção, ao iniciar o tratamento, era romper o bloqueio natural que nos impede de visualizar com clareza aquilo que os espíritas e hindus denominam “vidas passadas”.

Nunca fui lá muito espiritualizado. Fui crismado quando era criança, e durante a adolescência fui classificado como um “católico não praticante”, seja lá o que isso quer dizer. Amigas já me levaram em terreiros de umbanda e candomblé e nada muito místico me aconteceu lá dentro. Aprendi sobre os orixás e seus poderes mais pra não ficar boiando nas conversas do que porque realmente acreditasse nisso, apesar de emendar um “saravá” vez ou outra e saber de cor o Afro Sambas.

Continuar lendo

guerra nuclear e pornografia

No dia 13 de janeiro de 2018 a Agência de Gestão de Emergências do Havaí, muito imprudentemente, cometeu um erro, e disparou um alerta nuclear por toda a região do Oceano Pacífico sob jurisdição americana.

O contexto político de troca de ameaças entre os líderes americano e norte-coreano nos últimos meses tem se tornado de fato um pouco mais tenso, de modos que não seria completamente inverossímil a deflagração de um ataque nuclear da parte dos orientais, de quem já ouvimos, por exemplo, que a guerra estava declarada.

Entretanto, o alerta havia sido emitido graças ao erro de um funcionário da Agência. Precisamente 38 minutos depois, o governo desmentiu a notícia, e os cidadãos do Havaí puderam retomar suas rotinas.

Continuar lendo

negociações de guerra

– Senhor presidente, com a sua licença.

– Pois não?

– O emissário estrangeiro já está aí fora.

– Mande-o entrar, porra.

Entra o emissário.

– Muito prazer, senhor presidente.

– Sente-se, fique à vontade, por favor.

– Muito obrigado, senhor presidente. Vossa cordialidade será lembrada.

– É uma honra! Uma honra tê-lo aqui conosco. Estive no aguardo, muito ansiosamente.

– Desculpe-me a demora, senhor, mas aconteceram imprevistos…

– Sem necessidade de desculpas, meu caro emissário! Eu entendo plenamente. As estradas estão mesmo muito complicadas nesta época do ano.

– Não tenho como saber, senhor. Eu viajei de helicóptero.

– O caos aéreo, eu diria, muito pior! Deve ter sido um martírio!

– Já fiz viagens piores, senhor. Não tenho do que reclamar, na verdade.

– Pois bem, pois bem. Estou muito contente que tenha chegado. Muito já foi falado, muito já foi conversado entre nossas nações, mas finalmente temos a oportunidade de falar diretamente, face a face, tete-a-tete, o que é muito melhor. Não acha?

Continuar lendo

maneiras curiosas de ir à guerra

A guarda surfista do Rei Kamehameha, o Grande

É de se imaginar o entusiasmo com que o Capitão James Cook e os primeiros navegantes europeus observaram a gente do Havaí surfando em suas grandes pranchas de madeira, de quando sua famosa presença no arquipélago, no distante século XVIII.

Seu relato extremamente simpático à atividade é também impregnado de uma certa admiração pelos ares exóticos que a história tratou de conservar na figura desses havaianos antigos. Considerava-se o esporte um pouco arriscado, mas pela animação dos que o praticavam, era impossível não enxergá-lo como um alimento para a alegria, podendo ser até mesmo um tanto relaxante.

A chegada desses exploradores europeus àquelas ilhas, deste modo, coincidia com um momento em que o esporte desfrutava de grande prestígio local. Inúmeras lendas dos grandes feitos surfistas, histórias de heroísmo, amor e traição, já povoavam a imaginação daquela gente há alguns séculos, e também serviam para dar nomes aos lugares onde teriam acontecido.

Continuar lendo

a ficção pré-histórica

Entendemos como ficção uma narrativa sem pretensões de verdade.

Por mais problemática que seja a palavra verdade, todas as outras derivações e consequências daquilo que entendemos como ficção são secundárias diante deste pressuposto.

O número de personagens, o conteúdo dramático, o suporte ou mídia para o qual foi feita, quando, onde, e por quem tenha sido escrita ou contada, nada disso importa para o uso do termo ficção. Basta que seja uma história sabidamente inventada por alguém.

Imaginamos que, antes de se depararem com a importância de saberem falsas ou verdadeiras suas narrativas, os povos do passado, ao redor de suas fogueiras, já tinham se acostumado a contá-las e a ouvi-las nos momentos certos.

Qual foi, pois, a primeira história narrada? O relato de uma caçada? A descrição de um sonho? Ora, desde quando as narrativas humanas começaram a se dividir em gêneros? Será que a distinção entre uma história real e uma história inverídica foi a primeira classificação literária do mundo?

Continuar lendo

maneiras curiosas de ir à guerra

As guerreiras bafudas

O aventureiro e explorador espanhol Francisco de Orellana é o responsável pela primeira menção às amazonas feita em terras do Novo Mundo, no início do século XVI. A lenda das mulheres guerreiras conhecidas por tal nome remete a um repertório de conteúdo clássico, mas a sua ocorrência não se limita apenas à Europa ou ao mundo helênico. As amazonas citadas pelo grego Heródoto habitavam em algum lugar próximo ao reino dos sármatas, na costa do Mar Negro. Para Orellana, as amazonas sul-americanas habitariam algum lugar da densa floresta tropical, hoje bem próximo às Guianas.

Em sua viagem, que atravessou todo o Rio Amazonas, não há nenhuma menção às guerreiras bafudas que aparecem nas lendas mati – distantes de Orellana tanto no tempo como no espaço, uma vez que seu reino estaria mais próximo do Peru, no Vale do Javari, no Alto Solimões, e suas histórias remetam a acontecimentos mais recentes.

Os contadores de histórias da tribo dos mati oferecem uma imagem bastante exótica dessas guerreiras, tanto medo e terror elas levaram aos seus inimigos, brancos ou até mesmo outros índios. Diferentemente de suas parentes históricas, que, pelo que contam, tinham o hábito de arrancar o seio esquerdo para facilitar o manejo do arco, as guerreiras bafudas (é assim que os mati as chamam em seu idioma) não faziam uso de qualquer tipo de arma que não fosse o tacape.

Continuar lendo

maneiras curiosas de ir à guerra

selk-nam_0009

Os tehuelches e seus cogumelos

Os habitantes da planície da Patagônia pareceram ter, à primeira vista dos viajantes europeus que por lá aportaram, de dois metros e meio até três metros de altura. Fosse essa dimensão exagerada um efeito da silhueta de indivíduos naturalmente altos aumentada pela vasta paisagem desértica da região em que viviam tendo como comparação a baixa altura de um europeu comum, ou então um recurso dramático pra incrementar as próprias narrativas criadas pelos viajantes, os tehuelches que combateram o avanço da nação argentina em meados do século XIX durante a conquista do deserto patagônico empreenderam o uso de certas técnicas pouco convencionais na história militar, o bastante para que fossem recordados pelos seus inimigos ainda muitos anos depois de terem desaparecido.

Continuar lendo