A guarda surfista do Rei Kamehameha, o Grande
É de se imaginar o entusiasmo com que o Capitão James Cook e os primeiros navegantes europeus observaram a gente do Havaí surfando em suas grandes pranchas de madeira, de quando sua famosa presença no arquipélago, no distante século XVIII.
Seu relato extremamente simpático à atividade é também impregnado de uma certa admiração pelos ares exóticos que a história tratou de conservar na figura desses havaianos antigos. Considerava-se o esporte um pouco arriscado, mas pela animação dos que o praticavam, era impossível não enxergá-lo como um alimento para a alegria, podendo ser até mesmo um tanto relaxante.
A chegada desses exploradores europeus àquelas ilhas, deste modo, coincidia com um momento em que o esporte desfrutava de grande prestígio local. Inúmeras lendas dos grandes feitos surfistas, histórias de heroísmo, amor e traição, já povoavam a imaginação daquela gente há alguns séculos, e também serviam para dar nomes aos lugares onde teriam acontecido.
A história do surfe nos conta que o hábito deve ter nascido entre os povos polinésios pré-históricos, talvez de forma muito tosca, tendo alcançado o status de esporte em Honolulu somente muito tempo depois. Apropriado de vez pela sociedade havaiana, o surfe não deixou de ter também uma função social, adaptando-se à rígida norma dos tabus que regiam a vida daquele povo, onde tudo tinha hora e lugar pra acontecer.
Séculos depois, entre os responsáveis pela apresentação do esporte e pela sua primeira divulgação no mundo, consta o nome de Duke Paoa Kahanamoku, nadador americano, medalhista olímpico, surfista, e ator de cinema.
Mas bem mais escassos são os relatos e menções à guarda surfista do Rei Kamehameha I, O Grande, conhecido por ter unificado as ilhas do arquipélago e modernizado a administração do país. Esses valiosos guerreiros compunham nada menos que a guarda pessoal de elite do rei, e, mais do que isso, eram também os seus sagrados parceiros de surfe. Era na companhia deles que o Rei Kamehameha I saía para surfar, reservando para si e para o seu grupo as mais belas e desertas praias, com as melhores ondas do arquipélago, consagradas pelos kahunas, mestres do surfe e curandeiros.
A lei que separava os estratos sociais era bastante dura no Havaí, e a presença de qualquer plebeu, ou de qualquer pessoa de uma casta inferior, era severamente vetada nas praias escolhidas pelo rei e pela sua guarda, podendo, inclusive, acarretar penosas punições para quem a violasse.
Conta-se que os membros da guarda eram escolhidos a dedo pelo rei, sempre preferindo os mais altos, mais fortes e mais belos. Tendo passado por todos os testes físicos para adentrar este seleto grupo de homens, na última parte do exame o pretendente deveria dar demonstrações de sua perícia no surfe, ao final da qual um grande banquete era desfrutado por todos eles, na companhia das mulheres mais belas do reino.
A especialização da técnica com as pranchas alaia, sem quilha, levou esses guerreiros inclusive a empregarem-na como forma de transporte para os ataques surpresa dirigidos contra os opositores do rei, conferindo a eles daí então uma posição de muito respeito entre as lendas e mitos do esporte, sem que ninguém mais os igualasse em seus feitos.
Inspirados por essa história, um batalhão de fuzileiros navais australianos chegou a utilizar pranchas como um meio de transporte furtivo em alguns combates na Segunda Guerra Mundial, no entanto sem obterem quaisquer sucessos significativos.