o deus-verme e o impítima

Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em conturbérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…

Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

Augusto dos Anjos

Preparando-se para a maratona televisiva, Maykon, vestido com a usual bermuda de depois do almoço, começa a expelir pelo bóga os primeiros gases que a feijoada de hoje vem forjando desde a ingestão, nos lençóis freáticos do cuecão.

O controle remoto numa mão e o baseado na outra e o isqueiro na outra, pois que Maykon é um marmanjo com três mãos, ele prolonga um suspiro cansado, de dever cumprido. Sem contestar qualquer arroto, uma sacolejada saborosa, como que couve com farofa, sobe-lhe à garganta só pra ser mandada de volta pelo esôfago.

Há uma maratona televisiva pela frente. Um programa sem intervalos nem comerciais. Sem cortes, com a prometida duração de, pelo menos, oito horas. Sem replays, nem narradores obsoletos. Sem comentaristas folgados, nem ex-atletas sendo salvos do ostracismo.

Maykon acompanha, em tempo real, os comentários e as piadas que seus amigos soltam pela rede e compartilham pela rede. 

Maykon acredita que está se divertindo muito mais que todos eles. Acredita que está diante do entretenimento mais prenhe de sentido em toda a História do Brasil (com H e B maiúsculos).

Mais do que a Copa do Mundo de futebol de 1970, por exemplo.

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maneiras curiosas de ir à guerra

As guerreiras bafudas

O aventureiro e explorador espanhol Francisco de Orellana é o responsável pela primeira menção às amazonas feita em terras do Novo Mundo, no início do século XVI. A lenda das mulheres guerreiras conhecidas por tal nome remete a um repertório de conteúdo clássico, mas a sua ocorrência não se limita apenas à Europa ou ao mundo helênico. As amazonas citadas pelo grego Heródoto habitavam em algum lugar próximo ao reino dos sármatas, na costa do Mar Negro. Para Orellana, as amazonas sul-americanas habitariam algum lugar da densa floresta tropical, hoje bem próximo às Guianas.

Em sua viagem, que atravessou todo o Rio Amazonas, não há nenhuma menção às guerreiras bafudas que aparecem nas lendas mati – distantes de Orellana tanto no tempo como no espaço, uma vez que seu reino estaria mais próximo do Peru, no Vale do Javari, no Alto Solimões, e suas histórias remetam a acontecimentos mais recentes.

Os contadores de histórias da tribo dos mati oferecem uma imagem bastante exótica dessas guerreiras, tanto medo e terror elas levaram aos seus inimigos, brancos ou até mesmo outros índios. Diferentemente de suas parentes históricas, que, pelo que contam, tinham o hábito de arrancar o seio esquerdo para facilitar o manejo do arco, as guerreiras bafudas (é assim que os mati as chamam em seu idioma) não faziam uso de qualquer tipo de arma que não fosse o tacape.

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