as artes gravitacionais

O que é a dança? É o movimento de um corpo dotado de cadência e ritmo. Pra que serve a dança? Depende da intenção daqueles que dançam, do contexto em que é dançada, e do sentido dado ao movimento. A dança é a comunicação de alguma coisa? É a expressão de um estado anímico? Qual é o seu berço antropológico? De onde ela provém? Da dança coletiva ritual feita pra encenar alguma coisa, ou mesmo de alguns espasmos corporais sequenciados?

Para além dos seres humanos, a dança pode ser verificada no comportamento das aves, enquanto uma etapa fundamental dos ritos de acasalamento. Em outras circunstâncias, a dança das abelhas, um movimento corporal cadenciado, induz a troca de informação entre o cérebro individual e o cérebro coletivo da colmeia. É uma gramática, afinal.

Se a dança é o movimento ritmado de um corpo, em que outro lugar do universo poderemos encontrar demonstrações de alguma outra dança? A resposta é óbvia e, naturalmente, está no movimento dos corpos celestes cuja dança se revela no céu noturno.

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o mestre da mandala secreta

Os ritos da cerimônia denominada A Infinita Destruição e Concepção dos Mundos, já praticada pelos monges budistas tibetanos há mais ou menos seis séculos, ainda se encontram envoltos num manto de mistério e alegoria para a maior parte dos ocidentais.

Tendo se originado na porção oeste do Tibete, os ritos sobreviveram à disputa entre as distintas seitas que conviviam na região, ao final do século XVI, e foram devidamente lapidados pelos seus continuadores, os membros da escola Gelug, e discípulos de Tsongkhapa. Mais tarde, sobreviveram também ao ateísmo do Partido Comunista Chinês, e foram acolhidos no Nepal, onde, desde então, a cerimônia tem acontecido.

Os procedimentos são secretos, e apenas os monges mais graduados estão admitidos na cerimônia. A data é escolhida durante a primavera, e acontece na primeira lua cheia da estação, sendo precedida por um jejum de três dias, durante os quais os participantes permanecem reclusos, sem a autorização de deixarem o monastério.

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as crianças que não amavam os museus

Uma sinistra sequência de crimes vem tirando o sono dos detetives de São Paulo. Na última semana dois artistas plásticos foram encontrados mortos ao lado de suas obras no Museu de Arte de São Paulo (MASP), com cortes profundos de faca no abdômen e no pescoço. A comunidade artística em todo o país está chocada. No mês anterior uma artista finlandesa havia sido brutalmente molestada por aquilo que pareceu ser uma horda de crianças descontentes com o conteúdo político da sua performance, que estava programada para acontecer durante as tardes dos dias 16, 17 e 18, no Museu de Arte Moderna (MAM). Ao lado do espaço separado para o evento, picharam com letras garrafais vermelhas: Isto não é Arte & Isto não é um Museu.

As autoridades ainda estão encontrando dificuldades para traçar o perfil dos assassinos e agressores. De acordo com o delegado Sérgio Paiva, trata-se de uma gangue muitíssimo bem organizada de crianças. As câmeras captaram a movimentação dos elementos minutos antes da execução das vítimas. Os membros estão todos na faixa dos 7 aos 14 anos, o que já seria o bastante para enquadrar os mandantes na categoria dos pré-adolescentes. São provenientes de famílias abastadas, de classe média-alta. O comportamento parece ter sido o mesmo em todos os crimes: são capazes de se reunir e dispersar com extrema habilidade, fazendo uso dos dispositivos portáteis e demais aplicativos de comunicação, agem sempre em grupo e atacam com armas brancas depois de bulinarem sexualmente suas vítimas.

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the feeling of prehistory

“Inside a ruined temple the broken statue of a god spoke a mysterious language. For me this vision is always accompanied by a feeling of cold, as if I had been touched by a winter wind from a distant, unknown country. The time? It is the frigid hour of dawn on a clear day, towards the end of spring. Then the still glaucous depth of the heavenly dome dizzies whoever looks at it fixedly; he shudder and feels himself drawn into the depths as if the sky were beneath his feet; so the boatman trembles as he leans over the gilded prow of the bark and stares at the blue abyss of the broken sea. Then like someone who steps from the light of a day into the shade of a temple and at first cannot see the whitening statue, but slowly its forms appears, even purer, slowly the feeling of the primordial artist is reborn in me. He who first carved a god, who first wished to create a god. And the I wonder if the idea of imagining a god with human traits such as the Greeks conceived in art is not an eternal pretext for discovering many new sources of sensations.

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a autoformação do indivíduo na poesia

“Tudo se passa como se o espírito grego precisasse de Safo para dar seu último passo no mundo da intimidade do sentimento subjetivo. Os gregos deviam ter sentido isso como algo de muito grande quando, no dizer de Platão, honraram Safo como a décima musa. A poesia feminina não é insólita na Grécia. Mas nenhum colega na arte chegou à altura de Safo. Esta é singular. Comparada, porém, com a poesia de Alceu, a lírica de Safo é muito limitada. Está circunscrita ao mundo das mulheres que a rodeiam, e ainda assim sob o ponto de vista da vida em comum entre a poetisa e o círculo de suas donzelas. A mulher como mãe, amante ou esposa, que aparece na poesia grega e é celebrada pelos poetas de todos os tempos, dado que é com essa imagem que vive na fantasia do homem, não aparece na poesia de Safo senão fortuitamente, por motivo de ingresso ou da saída de algumas donzelas do seu círculo. A mulher entra no seu círculo como a garotinha que acabou de deixar o círculo materno. Sob a proteção de uma mulher solteira, cuja vida está votada, como a de uma sacerdotisa, ao serviço das musas, recebe a consagração da beleza, por meio de danças, cânticos e jogos.

Nunca a poesia e a educação se interpenetraram tão intimamente como nesse thiasos feminino consagrado à música. O seu âmbito espiritual não coincide com os limites da poesia de Safo, mas estende-se e envolve toda a beleza do passado. As odes de Safo acrescentam ao espírito heroico da tradição masculina o fervor e a grandeza da alma feminina em que vibra o elevado sentimento da vida comunitária. Entre a casa materna e a vida matrimonial situa-se uma espécie de mundo ideal intermediário que só podemos conceber como uma educação da mulher de acordo com a mais alta nobreza da alma feminina. A existência no círculo de Safo pressupõe a concepção educativa da poesia, evidente para os gregos desse tempo. Mas o que ali há de grande e de novo é que a mulher exige a entrada nesse mundo e nele conquista, na sua qualidade de mulher, o lugar que lhe cabe por direito, porque se trata de uma verdadeira conquista. Por ela, a mulher tem acesso ao serviço das musas e esse elemento funde-se com o processo da formação de sua personalidade. Contudo, essa fusão essencial pela qual se alcança em sentido próprio a formação do Homem não se pode realizar sem o poder do éros que une as potências das almas.

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a ficção pré-histórica

Entendemos como ficção uma narrativa sem pretensões de verdade.

Por mais problemática que seja a palavra verdade, todas as outras derivações e consequências daquilo que entendemos como ficção são secundárias diante deste pressuposto.

O número de personagens, o conteúdo dramático, o suporte ou mídia para o qual foi feita, quando, onde, e por quem tenha sido escrita ou contada, nada disso importa para o uso do termo ficção. Basta que seja uma história sabidamente inventada por alguém.

Imaginamos que, antes de se depararem com a importância de saberem falsas ou verdadeiras suas narrativas, os povos do passado, ao redor de suas fogueiras, já tinham se acostumado a contá-las e a ouvi-las nos momentos certos.

Qual foi, pois, a primeira história narrada? O relato de uma caçada? A descrição de um sonho? Ora, desde quando as narrativas humanas começaram a se dividir em gêneros? Será que a distinção entre uma história real e uma história inverídica foi a primeira classificação literária do mundo?

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os confins da imaginação

Estávamos no ano de 2003, na sala de informática do Colégio Objetivo, em Birigui, interior de São Paulo. Não sei se havia alguma atividade da qual havíamos sido dispensados, as aulas de informática sempre se pareceram de alguma forma às aulas vagas, mas a turma ficou livre pra explorar a Internet durante alguns bons minutos antes do intervalo.

Como não havia computadores pra todo mundo, nós alunos éramos obrigados a dividir as máquinas, e duplas e trios mistos operavam cada uma delas. Isso fazia com que a experiência de navegação fosse bastante coletiva, cada coisa curiosa sendo imediatamente compartilhada entre a turma.

Assim, não poucas vezes, a experiência de assistir aos vídeos mais polêmicos do início do século XXI, dentre eles execuções, decepamentos, suicídios, aparições e acidentes, bem como a contemplação de fotos sangrentas exibindo os corpos de famosos mutilados, tudo isso foi sempre acompanhado de muita demonstração conjunta de choque e curiosidade.

Naquele dia, no entanto, o que nos tomou a atenção foi um joguinho. Alguém, que provavelmente o encontrou no histórico ou na barra dos favoritos em algum lugar, apareceu com esse puzzle em que um gnomo explorava lugares bastante difíceis de serem descritos, mas cheios de personalidade. Alguma coisa espacial-florestal de escala imprecisa, povoada com detritos tecnológicos, e com ares bastante alucinógenos, quase sonolentos, onde você ia clicando com o mouse, quase à deriva, até descobrir acidentalmente caminhos que nem sempre saberia refazê-los. Não me lembro como fui parar ali (talvez fosse o efeito da paisagem), mas me lembro que imediatamente todo o restante do pessoal já estava tentando resolver os desafios, entre simples e intuitivos, e trocando informações a respeito de certas áreas.

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ficção aumentada

I must download several copies of myself and storage them into security areas.

Terence McKenna

Num futuro em que a pesquisa com tecnologias de Realidade Aumentada seguiu desimpedida, imaginemos sua conjunção com os ramos da robótica responsáveis pelo desenvolvimento de inteligências artificiais e de equipamentos portáteis para realidades virtuais. Pensemos neste futuro como situado em lugar do final do século XXI, ao mesmo tempo a intersecção entre uma Idade de Ouro da tecnologia e uma Idade das Trevas emocional que obterá como resultados sociais uma enorme confusão entre os distintos níveis de trânsito de informação, até que, claro, devido à incrível plasticidade do cérebro humano, adequemos devidamente nossa linguagem a esse ultra-futuro pós-pós-humano de velocidades simultâneas incomensuráveis por meio de sofisticadíssimos implantes neurobiológicos de aumento de capacidade sensorial e de memória.

Todavia, considerando que nem todas essas maravilhas de ponta serão prontamente disponibilizadas a preços acessíveis para os cidadãos comuns, imaginemos diversões mais sutis, arquitetadas pelos artistas, arquitetos, engenheiros da programação e da informática, todos esses mestres espirituais vindouros que terão às suas mãos tantos e tão fascinantes instrumentos de criação e não hesitarão em exibir ou esconder os seus produtos por aí, nas áreas acessadas por realidades indefinidamente maiores, espalhadas pelos espaços tangíveis aos corpos e às mentes futuras.

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Öèôðîâàÿ ðåïðîäóêöèÿ íàõîäèòñÿ â èíòåðíåò-ìóçåå gallerix.ru

“The best known event in Phryne’s life is her trial. Athenaeus writes that she was prosecuted for a capital charge and defended by the orator Hypereides, who was one of her lovers. Athenaeus does not specify the nature of the charge, but Pseudo-Plutarch writes that she was accused of impiety. The speech for the prosecution was written by Anaximenes of Lampsacus according to Diodorus Periegetes. When it seemed as if the verdict would be unfavourable, Hypereides removed Phryne’s robe and bared her breasts before the judges to arouse their pity. Her beauty instilled the judges with a superstitious fear, who could not bring themselves to condemn ‘a prophetess and priestess of Aphrodite’ to death. They decided to acquit her out of pity.”

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Phryne


Imagem: Phryne diante do Aerópago, de Jean-Léon Gérôme. 1861

Arte e Ciência

first flight 2

O ‘Demoiselle’ e a ‘Ceia’

A verdade é que quando a gente vê a locomotiva “Baronesa” ou o avião “Demoiselle” de Santos Dumont (produções recentíssimas da ciência aplicada) tem vontade de rir. São objetos ridículos. A ternura que nos possam infundir vem de pensarmos que homens já confiaram (como Santos Dumont) suas vidas a uma coisa tão precária. Além disto, só há ridículo quando comparamos o “Demoiselle” a um “Constellation”.

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