No dia 13 de janeiro de 2018 a Agência de Gestão de Emergências do Havaí, muito imprudentemente, cometeu um erro, e disparou um alerta nuclear por toda a região do Oceano Pacífico sob jurisdição americana.
O contexto político de troca de ameaças entre os líderes americano e norte-coreano nos últimos meses tem se tornado de fato um pouco mais tenso, de modos que não seria completamente inverossímil a deflagração de um ataque nuclear da parte dos orientais, de quem já ouvimos, por exemplo, que a guerra estava declarada.
Entretanto, o alerta havia sido emitido graças ao erro de um funcionário da Agência. Precisamente 38 minutos depois, o governo desmentiu a notícia, e os cidadãos do Havaí puderam retomar suas rotinas.
Apesar da situação não nos parecer tão grave quanto foi na época da crise dos mísseis de Cuba, a estratégia de intimidação com base do poderio bélico reafirma o comportamento das potências da Guerra Fria, quando a “arma da lógica foi substituída pela lógica das armas” – assim teria dito um cientista político naquela época. Daí que alguns insistam em ver o nosso tempo à luz dos escombros deixados pelo mundo bipolar, e então viveríamos agora uma Guerra Fria 2.0, com novos atores, num novo ritmo e outros interesses em jogo.
Ademais, por que estaríamos nós, seres humanos, produzindo armas cósmicas tão destruidoras, se não tivéssemos interesse nenhum em usá-las? Pergunta que todos já devem ter feito, e, no entanto, não seria de todo errado pensar que a tática por trás da produção desse tipo de armamento é a dissuasão: ao elevar o grau das consequências, impedimos o nosso inimigo de atacar – tal e qual a Doomsday Machine do brilhante Dr. Fantástico.
O que chama a atenção neste episódio do falso alarme nuclear é a informação divulgada pelo site pornô Pornhub.com. Imediatamente após a confirmação de que o alarme era falso, o número de acessos, entre os havaianos, aumentou em 48%, após um decréscimo mais do que justificável.
Não faltaram sexólogos para sugerir a já conhecida hipótese da masturbação como um instrumento de dissipação das tensões – muitas pessoas podem ter simplesmente ido ao bar, por exemplo.
Wilhelm Reich, na primeira metade do século, defendia que melhores orgasmos poderiam curar inúmeras doenças que nossa sociedade mesma havia gerado. Também dizia que a maioria dos casos de violência de algum modo eram a explosão de energia sexual represada. Para tanto, formulou o conceito de energia orgônica, uma espécie de energia vital, ou pseudo–prana, sem muita continuidade no meio científico.
Como tentativa de solucionar essa difusão de energia vital, muitas vezes expressa na violência interpessoal, Wilhelm Reich, antes de ser duramente perseguido pelo governo americano, chegou mesmo a inventar um acumulador de energia orgônica, um instrumento não tão diferente de um armário, mas cujas funções poderiam ser dirigidas até à manipulação do clima.
Podemos encontrar uma paródia deste instrumento no filme Sleeper, de Woody Allen, em que leva o nome de Orgasmatron, um importante e curioso brinquedo de uma sociedade futurista muitíssimo bem-resolvida.
É inevitável, neste ponto, pensar na quantidade de perversões e bizarrices que podem nascer de um contexto político opressivo. Penso no sado-masoquismo, nas simulações de estupro, nos snuff movies, e chego até a pensar no acréscimo de pornografia relacionada à dominação feminina neste atual momento de desvelamento do machismo e de empoderamento das mulheres.
Talvez não seja só um mero devaneio psicanalítico amalgamar poder e sexualidade. Se vivemos de fato na era de Kali Yuga, como diz o hinduísmo, nada há de mais familiar às pessoas de nossa época do que a luxúria e as obsessões decorrentes destes jogos de desejo jogados pela sociedade como um todo.
Aos mais interessados nas teorias quânticas, numa relação primária, os jogos de poder & sexo teriam trabalhado para aumentar a entropia do sistema, culminando num ponto de massa crítica onde se entrecruzam a turbulência política, as doenças sociais e a religiosidade.
No exato instante em que me deparei com esse caso envolvendo a crise nuclear e o súbito boom pornográfico, pensei n’O Arco-Íris da Gravidade, romance do escritor americano Thomas Pynchon cuja trama rocambolesca pode ser resumida mais ou menos da seguinte forma: o tenente americano Tyrone Slothrop, a serviço de seu país na Segunda Guerra Mundial, em Londres, mantém um mapa com todas as suas conquistas sexuais no território da capital inglesa. Estamos em 1945, momento em que os alemães estão disparando, dia após dia, seus foguetes V2 em direção à ilha da Bretanha. Eis que num determinado ponto da história, um colega de trabalho de Slothrop se depara com o seu mapa, e o sobrepõe com o mapa que indica os pontos e lugares onde estão caindo os foguetes alemães, encontrando ali uma insólita compatibilidade e chegando então à estranha conclusão de que as aventuras sexuais de Slothrop antecedem a queda dos foguetes. Ao saberem disso, todos os serviços secretos de inteligência envolvidos no conflito querem pôr as mãos no cara para estudá-lo e submetê-lo a exames, ao mesmo tempo em que o clima de paranoia se intensifica até o limite do insuportável.
O nome do livro, portanto, diz respeito à trajetória dos foguetes V2. É também a poesia dos fenômenos observados pela ciência, onde se debruçam as curiosidades e os horrores humanos e, no meio da espiral toda, o Acaso.
Acaso ou não, Eros e Tânatos se encontram em muitos momentos de nossa literatura. Os franceses costumam chamar o orgasmo de petite mort, ou “pequena morte”. Acho que foi nos ensaios de Georges Bataille que encontrei uma sólida relação entre o desejo de morte e o desejo do orgasmo, na medida em que ambos produzem um espasmo nervoso inigualável e também confluem para o interdito. Mas acho que foi neste romance de Pynchon que encontrei a mais profunda exploração dos comportamentos sexuais num contexto de violência e perigo extremados. Há no livro um núcleo narrativo interessantíssimo do qual fazem parte aqueles estudiosos que estavam envolvidos nas primeiras pesquisas com polímeros no decorrer da guerra e acabaram então produzindo um plástico especial que depois seria utilizado para satisfazer as perversões sexuais de muitos cientistas tarados.
Transcrevo aqui um trecho do romance que me parece perfeitamente adequado à situação acontecida no Havaí, e que também acrescenta alguns curiosos sentidos à questão toda.
“‘Ludwig, um pouquinho de sado-masô não faz mal a ninguém.’
‘Quem disse?’
‘Sigmund Freud. Como é que eu sei? Mas por que é que nos ensinam sentir uma vergonha automática sempre que o assunto vem à baila? Por que é que a Estrutura permite todos os outros comportamentos sexuais, menos esse? Porque submissão e dominação são recursos de que ela precisa para sua própria sobrevivência. Não se pode desperdiçá-los na sexualidade individual. Aliás em sexualidade alguma. Ela precisa da nossa submissão para permanecer no poder. Precisa de nosso desejo de dominação para nos cooptar para seus jogos de poder. Não há prazer nisso, só poder. Vou lhe dizer uma coisa: se fosse possível instaurar o sado-masô em escala universal, no nível da família, o Estado morreria à míngua.’”
Thomas Pynchon, O Arco-Íris da Gravidade [Cia. das Letras; tradução de Paulo Henriques Britto]
E pra que as coisas fiquem mais claras ainda, esta é a capa de uma das edições em que o romance foi publicado: