o pensamento enquanto música

Apresentarei neste texto duas comparações envolvendo o pensamento e a música, ambas elaboradas por filósofos cujas obras estavam dedicadas às questões mais centrais ao tema da consciência. O primeiro filósofo é o escocês David Hume, e o segundo o francês Henri Bergson – representantes de momentos filosóficos muito diferentes e no entanto participantes de uma mesma discussão, tão grande quanto interminável.

Não pretendo apresentar um resumo ou síntese das ideias de um ou de outro. Se vou apresentar duas comparações, o que farei é algo mais ou menos como comparar duas comparações diferentes. São passagens menores e não tão relevantes de suas obras, mas que, diante da curiosidade, apresentam um curioso potencial. O objetivo é, na verdade, apontar para a recorrência de certas metáforas e analogias usadas para tratar de temas para os quais não dispúnhamos – ou ainda não dispomos – de uma linguagem propriamente definida e modelada para tanto, ou seja, um idioma especializado. Os problemas da mente se confundem com os problemas da consciência que, por sua vez e num certo momento, também se confundiram com os problemas da alma. É claro que, para tentar descrever os processos mentais numa linguagem que fizesse sentido, inúmeras analogias e metáforas foram empregadas nas primeiras pesquisas sobre estes temas. Um conceito, enquanto matéria filosófica, sempre envolve uma síntese ou uma comparação em certa medida, e inúmeros insights e raciocínios, para que façam algum sentido aos nossos costumes, dependem justamente da abrangência das analogias que são colocadas em jogo. Neste caso, acho que vale a pena prestar atenção na maneira com que a música, este estranho fenômeno jamais explicado em sua totalidade, é evocado para explicar ou ilustrar os igualmente estranhos e misteriosos processos mentais relativos às impressões, aos afetos, e às sensações. Um mistério parece explicar o outro mistério ainda que ambos continuem ocultos em suas próprias medidas.

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quando nos reunimos para ouvir o bardo

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Bem afortunados aqueles que tiveram a chance de se emocionar, de perder os olhos e os pensamentos nas miragens de jardins distantes, enquanto viam e ouviam um bardo dedilhar na frente deles as suas canções mais memoráveis.

Que as apresentações musicais tenham sempre sido uma forma de espetáculo, isso é óbvio, e que, com o avanço inadiável da indústria cultural e da consequente cooptação de quaisquer ambições ou gozos estéticos à ordem da mercadoria programada para seus espaços específicos, sabemos, ninguém tem quaisquer dúvidas. Mas encontrar, no auge de sua consolidação, um vídeo tão singelo, tão absoluto na maneira com que perpetua o clímax afetivo que somente a escuta musical dentro de um espaço doméstico pode permitir, é, no mínimo do mínimo, inspirador. Radicalmente inspirador.

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