Faz sentido medir a qualidade de uma obra de ficção a partir da quantidade de previsões “acertadas” que seu autor fez em relação ao futuro? Acho que se 1984 ou Admirável Mundo Novo possuem alguma qualidade, ela certamente não se destaca de sua forma literária.
Acho que toda obra destinada a falar do futuro, por mais trágico ou belo que ele seja, acaba produzindo visões maravilhosas. O mundo improvável que entrou na obra, que ali no texto se viu traduzido traduzido, e ninguém, autor ou profeta, previu nenhum futuro que já não estivesse se anunciando no presente em que ele foi visto ou antecipado.
Os germes, os desdobramentos de certas ideias que ecoam e que vão acrescentando acentuações ou grafias diferentes em cada pronúncia, muita literatura é feita simplesmente disso. A ninguém cabe o monopólio deste ofício – quantos mundos irrealizáveis o próprio mundo real produz? Da genialidade convém dizer que não há nenhum atributo mais execrável, e dentre os seus adoradores destacam-se aqueles que outorgam aos seus gênios dotes mais ou menos proféticos – até mesmo a ideia de que estariam eles “à frente de seus tempos”.
Acho que os cabalistas teriam algo a dizer sobre isso, sobre a necessidade das coisas absolutas se adequarem ao tempo terrestre: o mundo não permite vestimentas inadequadas. Se o tempo é uma ilusão, não há futuro a ser previsto, posto que não há uma sequência plausível de eventos. Tudo já está, infinitamente estendido por sobre uma eternidade feita de instantes coincidentes.
Mas de que serve pensar assim?