“Dois anos antes, durante a primavera e o verão de 1969, morei no Nepal e estudei a língua tibetana. A onda de interesse por estudos budistas estava apenas começando, de modo que nós, que estávamos o Nepal querendo aprender tibetano, éramos um grupo unido. Meu objetivo ao estudar tibetano era diferente do da maioria dos ocidentais envolvidos com a linguagem no Nepal. Quase todos estavam interessados em algum aspecto do budismo Mahayana, ao passo que eu me sentia atraído pela tradição religiosa que antecedeu, no século XVII, a introdução do budismo no Tibete.
Essa religião pré-budista do Tibete era uma espécie de xamanismo estreitamente relacionado com o xamanismo clássico da Sibéria. O xamanismo do povo tibetano, chamado de Bön, continua a ser praticado hoje em dia na área montanhosa do Nepal que faz fronteira com o Tibete. Seus praticantes são em geral desprezados pela comunidade budista, vistos como heréticos e, geralmente, como pessoas de baixo nível.
Meu interesse no Bön e em seus praticantes, os Bön-po, surgiu de uma paixão pela pintura tibetana. É comum nessas pinturas que as imagens mais ferozes e extravagantes sejam retiradas do substrato pré-budista do imaginário popular. Os terríveis guardiões do ensinamento budista, chamados de Dharmapalas, com seus múltiplos braços e múltiplas cabeças, auras de chama e luz, são deidades Bön autóctones cuja aliança com a religião budista é mantida apenas por feitiços e rituais poderosos que prendem e seguram a lealdade desses vigorosos demônios.
Eu achava que a tradição xamânica que criara imagens tão exóticas e fantásticas devia, em algum tempo, ter tido o conhecimento de alguma planta alucinógena. Sabia-se que o êxtase xamânico na Sibéria era obtido através do uso de Amanita muscaria, e Gordon Wasson fez uma boa análise do uso do esmo cogumelo na Índia védica. Como o Tibete está situado aproximadamente entre essas duas áreas, não parece impossível que antes da chegada do budismo os alucinógenos fizessem parte da tradição xamânica local.
O amanita muscaria era apenas uma das várias plantas que não poderiam ter servido como alucinógeno no Tibete antigo. O Pegamum harmala, da família das zigofaláceas é outro suspeito. Como o banisteriopsis caapi, ele contém em quantidades consideráveis o alcalóide alucinógeno harmalina, e é provavelmente um alucinógeno em si. Em combinação com uma planta contendo DMT, das quais a flora da Índia possui várias, ele certamente poderia produzir um forte alucinógeno cuja composição não diferiria quimicamente da ayahuasca amazônica.
Meu interesse em pintura tibetana e em xamanismo alucinógeno me levou ao Nepal. Eu soubera que havia campos de refugiados no Nepal e perto de Simla, na Índia, cujas populações eram quase inteiramente constituídas de Bön-po, pessoas sem casta que não eram bem-vindas nos campos que abrigavam budistas. Eu queria descobrir dos Bön-po qualquer coisa que lembrassem sobre alucinógenos que um dia pudessem ter conhecido e usado. Desejava, em minha ingenuidade, provar minha hipótese sobre a influência de plantas alucinógenas na pintura tibetana e escrever uma monografia a respeito.
Assim que cheguei à Ásia, a enormidade da tarefa e o esforço que ela exigia foram vistos em suas proporções reais. Na verdade o projeto a que eu me propusera demandaria uma vida inteira de pesquisa erudita! Naturalmente descobri que nada poderia ser feito até que me tornasse familiarizado com a língua tibetana. Pus de lado todas as ideias de pesquisar e resolvi simplesmente me dedicar a aprender o máximo de tibetano possível nos poucos meses que as circunstâncias tinham me proporcionado no Nepal.
Saí de Katmandu, para longe dos prazeres dos antros de consumo de haxixe e da agitação social das comunidades de viajantes internacionais, contrabandistas e aventureiros que tornaram sua aquela cidade. Mudei-me para Boudanath, uma pequena aldeia muito antiga, alguns quilômetros a leste de Katmandu, e que recebera recentemente uma quantidade de tibetanos de Lhasa – pessoas que falavam o dialeto de Lhasa, que é compreendido por todo o Himalaia. O povo da aldeia era budista, e fiz alguns arranjos para estudar com os monges, sem mencionar meu interesse nos Bön-po. Procurei alojamento e acabei me arranjando com o moleiro local, um newari chamado Den Ba-do; os newari formam um dos principais grupos étnicos do Nepal. Ele concordou em me alugar um quarto no terceiro andar de sua próspera casa de adobe em frente à enlameada rua principal de Boudanath. Fiz uma barganha com uma garota que concordou em me trazer água fresca todos os dias, e me estabeleci confortavelmente. Pintei de branco as paredes de adobe de meu quarto, mandei vir um enorme mosquiteiro do mercado de Katmandu e arrumei dentro do quarto meus livros e uma pequena escrivaninha tibetana. Finalmente me sentindo à vontade, comecei a cultivar minha imagem de jovem viajante e erudito.
Tashi Gyalsen Lama era meu professor. Era um gelugpa muito gentil e compreensível. A despeito da idade avançada, chegava todas as manhãs exatamente às sete para nossas duas horas de aula. Eu parecia uma criança: começamos com caligrafia e com o alfabeto. A cada manhã, depois do lama partir, eu estudava mais algumas horas, e o resto do dia ficava livre. Explorei a reserva de caça do rei do Nepal, a leste de Boudanath, e as escadarias à beira do rio, próximo a Pashupatinath, onde eram feitas as cremações hindus. Também conheci alguns ocidentais que viviam nas imediações.
Entre esses havia um casal inglês da minha idade. Eram fascinantes e sabiam disso. Ele era magro e louro, com nariz aquilino e um jeito malicioso típico do modelo produzido pelas escolas públicas da Inglaterra. Era altivo e educado, mas ao mesmo tempo excêntrico e frequentemente hilariante. Ela era pequena e de uma magreza doentia – esquelética é a palavra que uso para descrevê-la a mim mesmo. Tinha cabelos ruivos e temperamento selvagem, cínico e, como seu companheiro, possuía uma inteligência cortante como navalha.
Ambos haviam sido deserdados pelas famílias e estavam viajando como hippies; como todos nós, na época. Seu relacionamento era estranho – tinham-se juntado na Inglaterra, mas o relaxamento da tensão produzido pela chegada ao bucólico Nepal fora demais para sua ligação frágil. Agora viviam separados, ele num extremo de Boudanath e ela no outro. Encontravam-se apenas com o objetivo combinado de ‘se visitar’ ou de dilacerar os nervos um do outro.
Por algum motivo, naquele cenário exótico, eles conseguiram me encantar por completo. Estivessem juntos ou separados, eu me sentia sempre disposto a interromper meus estudos e passar um tempo com eles. Num instante ficamos íntimos. Naturalmente discutíamos meu trabalho, já que ele envolvia alucinógenos. Eles ficaram muito interessados, tendo se familiarizado com o LSD no tempo em que viviam em Londres. Descobrimos que tínhamos amigos comuns na Índia e que todos adorávamos os romances de Thomas Hardy. Foi um idílio muito agradável.
Nessa época, o método que eu tinha desenvolvido para sondar a dimensão xamânica era fumar DMT no pico de uma experiência com LSD. Fazia isso sempre que tomava LSD, o que era bastante frequente. Isso me permitia entrar na dimensão triptamínica por um período de tempo ligeiramente expandido. À medida ue se aproximava o solstício de verão de 1969, fiz planos para uma experiência daquelas.
Iria tomar LSD na noite do solstício e ficar a noite inteira sentado no telhado, fumando haxixe e olhando as estrelas. Mencionei o plano aos eus dois amigos ingleses, e eles disseram que queriam e acompanhar. Por mim, tudo bem, mas havia um problema: não havia LSD confiável em quantidade suficiente. Meu minúsculo suprimento chegara a Katmandu profeticamente escondido dentro de um pequeno cogumelo de cerâmica mandado de Aspen pelo correio.
Quase como uma piada, sugeri que eles substituíssem o LSD pela semente da datura do Himalaia, Datura metel. As daturas são arbustos anuais, fonte de uma quantidade de alcalóides – escopolamina, hilosciamina etc. – compostos que produzem efeito semi-alucinógeno. Dão a impressão de voo ou de visões deformadas, mas tudo num âmbito difícil de ser mantido sob controle e de ser recordado depois. As sementes da Datura metel são usadas no Nepal pelos saddhus (eremitas andarilhos e homens santos) de modo que seu uso era conhecido na área. Mesmo assim, minha sugestão fora feita de brincadeira, já que é legendária a dificuldade de controlar a datura. Para minha surpresa, meus amigos disseram que gostariam de tentar. Acertamos que eles chegariam em minha casa às seis horas do dia combinado para fazer a experiência.
Quando finalmente chegou aquela noite, levei meus lençóis e cachimbos para o teto do prédio. Dali podia ter uma excelente vista da aldeia ao redor, com sua Stupa – um enorme templo cônico com olhos de Buda pintados na parte mais alta, folheada a ouro. A parte dourada da Stupa estava na época envolvida por andaimes, para os consertos necessários depois da queda de um raio alguns meses antes. O domo branco da Stupa dava à aldeia de adobe caiado de Boudanath uma característica extraterrestre, como se fosse um disco voador. Mais ao longe, centenas de metros acima, eu podia ver a região de Annapurna; na distância intermediária a terra era uma colcha de retalhos de plantações cor de esmeralda.
Já passara das seis horas e meus amigos não tinham chegado. Às sete ainda não podiam ser vistos, de modo que tomei meu precioso tablete de Orange Sunshine e me acomodei para esperar. Dez minutos depois eles apareceram. Eu já podia me sentir decolando, e fiz um gesto em direção às duas pilhas de sementes de datura que eu tinha preparado. Eles levaram-nas para baixo e a socaram num almofariz antes de beber com um pouco de chá. Quando voltaram ao telhado e se acomodaram eu estava entrando no espaço mental.
Ficamos ali pelo que pareceram horas. Ao se sentarem eu me encontrava muito distante para tomar consciência dos dois. Ela estava de frente para mim, e ele mais atrás e virado para o lado, na sombra. Ele tocava flauta. Passei o cachimbo, e as horas escoaram. A lua surgiu cheia e subiu no céu. Caí em longos devaneios alucinógenos, cada um durando vários minutos, mas parecendo vidas inteiras. Quando emergi de um encantamento particularmente longo e cheio de visões, descobri que meu amigo havia parado de tocar e fora embora, deixando-me com sua mulher.
Eu tinha prometido a ambos que iria deixá-los experimentar um pouco de DMT durante a noite. O cachimbo de vidro e a minúscula provisão da DMT alaranjada e pastosa estavam na minha frente. Devagar, e com os movimentos fluidos de um sonho, enchi o cachimbo e ofereci a ela. As estrelas, duras e brilhantes, olhavam tudo aquilo de uma distância gigantesca. Ela pegou o cachimbo e inalou profundamente duas vezes, o bastante para uma pessoa tão frágil. Em seguida o cachimbo voltou para mim e acompanhei-a com quatro enormes inalações. Segurei a quarta até não aguentar mais. Para mim era uma quantidade enorme de DMT, e de imediato tive a sensação de penetrar num vácuo. Houve um zumbido agudo e o som de celofane amassando enquanto eu me transformava no duende orgástico de frequência ultra-alta que é o ser humano no êxtase da DMT. Fui rodeado pelo matraquear de máquinas élficas e pelos espaços abobadados mais-do-que-árabes, capazes de envergonhar uma Bibiena. Manifestações de um poder alienígena e exoticamente maravilhoso rugiram ao meu redor.
No ponto em que eu normalmente esperaria que as visões desaparecessem, o pré-tratamento com LSD sinergizou a situação para um nível mais alto. As cabriolas das hordas de máquinas élficas da DMT diminuíram para um mero zumbir enquanto a multidão de elfos se afastava. E subitamente me vi voando centenas de quilômetros acima da terra, na companhia de discos prateados. Não poderia dizer quantos. Estava fixo no espetáculo da terra abaixo e percebi que me movimentava para o sul, aparentemente em órbita, sobre a Sibéria soviética. Na minha frente podia ver a Grande Planície de Shang e a massa dos Himalaias erguendo-se diante da vastidão amarelo-avermelhada da Índia. O sol nasceria de cerca de duas horas. Numa série de saltos telescópicos, desci da órbita até um ponto onde podia ver especificamente a depressão circular do vale de Katmandu. Então, no salto seguinte, o vale preencheu todo o meu campo de visão. Eu parecia estar me aproximando paralelo ao solo e em grande velocidade, Podia ver o templo hindu e as casas de Katmandu, o templo de Svawyambhumath a oeste da cidade e a Stupa de Boudanath, reluzindo branca alguns quilômetros ao leste. Em seguida Boudanath era uma mandala de casas e de ruas circulares preenchendo minha visão. Entre as várias centenas de telhados descobri o meu. No momento seguinte bati contra meu corpo e refocalizei o telhado e a mulher diante de mim.
De um modo incongruente, ela viera com um vestido longo de cetim prateado – uma herança -, o tipo de coisa que se podia encontrar num antiquário em Notting Hill Gate. Caí para a frente e pensei que minha mão estava coberta por algum líquido frio e branco. Era o tecido do vestido. Até aquele momento nenhum de nós dois tinha considerado o outro como amante em potencial. Nosso relacionamento funcionava num nível bastante diverso. De súbito, todos os tipos de relacionamento normais se tornaram óbvios. Fomos um em direção ao outro e a impressão que eu tinha era de estar passando através dela, de estar fisicamente chegando além dela. Ela tirou o vestido pela cabeça num único gesto. Fiz o mesmo com minha camisa, que se rasgou em pedaços quando passei-a sobre a cabeça. Ouvi botões voando e ouvi meus óculos caindo em algum lugar e se despedaçando.
Então nos amamos. Ou melhor, tivemos uma experiência que vagamente se relacionava a fazer amor, mas que era outra coisa. Estávamos ambos uivando e cantando na glossolalia da DMT, rolando pelo chão enquanto tudo flutuava em alucinações rastejantes, geométricas. Ela estava transformada; existem palavras para descrever no que ela se tornou – pura ânima, Kali, Leucothea, alguma coisa erótica mas não-humana, algo que dizia respeito à espécie, mas não ao indivíduo, brilhando com a possibilidade de canibalismo, da loucura, do espaço e da extinção. Ela parecia em vias de me devorar.
A realidade se despedaçou. Aquela trepada deve ter continuado até o limite do possível. Tudo tinha se transformado em orgasmo e em oceanos murmurantes de linguagem élfica. Então vi que de onde nossos corpos estavam grudados fluía, saindo dela, sobre mim, sobre o telhado, fluindo para todo canto, uma espécie de líquido obsidiano, uma coisa escura e reluzente, cheia de cores e brilhos. Depois do relâmpago da DMT, depois da prisão dos orgasmos, depois de tudo aquilo, essa coisa nova me chocou profundamente. Que fluído era aquele, e o que estava acontecendo? Olhei para aquilo. Olhei direto e vi que era a superfície de minha mente refletida diante de mim. Seria matéria translinguística, a secreção viva e opalina do abismo alquímico do hipersepaço, uma coisa gerada pelo ato sexual realizado sob condições tão loucas? Olhei para aquilo de novo e vi o Lama que me ensinava tibetano, e que deveria estar dormindo a mais de um quilômetro de distância. Enxerguei-o no fluído, em companhia de um monge que eu nunca vira; estavam olhando para um prato espelhado. Então percebi que eles estavam me olhando! Não pude compreender. Virei o rosto para longe do fluído, para longe de minha companheira, tão intensa a aura de estranheza que a envolvia.
Então percebi que, talvez durante vários minutos, tínhamos cantado, gritado em falsete emitido selvagens uivos orgásmicos no telhado de minha casa! Isso significava que todo mundo em Boudanath já devia ter acordado e iria abrir portas e janelas para saber o que estava acontecendo. E o que estava acontecendo? A advertência favorita de meu avô pareceu apropriada: ‘Santo Deus, disse a galinhola ao ser atacada pelo gavião.’ Essa lembrança provocou em mim um riso incontrolável.
Então o pensamento de sermos descobertos me deixou suficientemente sóbrio para perceber que deveríamos sair daquele lugar exposto. Estávamos completamente nus e a cena ao nosso redor era de um caos total e inexplicável. Ela estava caída, incapaz de se levantar, de modo que peguei-a no colo e desci a escada estreita, passei junto aos depósitos de grãos e entrei no meu quarto. Lembro-me de durante todo o tempo ficar repetindo para ela e para mim: ‘Sou um ser humano. Sou um ser humano.’ Precisava me certificar, naquele momento não tinha certeza alguma.
Esperamos durante vários minutos em meu quarto. Lentamente ficou claro que, por um milagre que não era menos estranho do que todo o resto, ninguém estava acordado, exigindo saber o que acontecia. Parece que ninguém tinha ouvido! Para nos acalmar, fiz chá, e enquanto isso pude avaliar o estado mental de minha companheira. Ela parecia delirante, incapaz de conversar comigo sobre o que acontecera há apenas alguns momentos, no telhado. É típica da datura a dificuldade, e até mesmo a impossibilidade, de recordar as experiências ocorridas sob o seu efeito. Parecia que, apesar daquilo ter envolvido o ato mais íntimo entre duas pessoas, eu era a única testemunha que podia lembrar qualquer coisa do que sucedera.
Pensando nisso tudo, voltei ao telhado e peguei meus óculos. Por incrível que pareça estavam inteiros, apesar de eu claramente tê-los ouvido se quebrando. Os líquidos obsidianos, as secreções ectoplásmicas da trepada tântrica, não podiam ser vistos em lugar algum. Com meus óculos e nossas roupas voltei para o quarto onde ela estava dormindo. Fumei um pouquinho de haxixe, entrei debaixo do mosquiteiro e deitei ao lado dela. A despeito da excitação da estimulação do meu sistema nervoso, adormeci imediatamente.
Não tenho ideia de quanto tempo dormi. Acordei de supetão, saindo direto de um sono profundo. Ainda estava escuro. E não havia qualquer sinal de minha amiga. Senti uma pontada de alarme; se ela estivesse delirando, seria ruim andar sozinha à noite pela aldeia. Saltei, vesti minha jalaba e comecei a procurar. Ela não estava no telhado, nem junto aos depósitos de grãos.
Encontrei-a no térreo do prédio. Estava sentada no chão de terra e olhando o próprio reflexo no tanque de gasolina da motocicleta que pertencia ao genro do moleiro. Ainda estava desorientada, efeito típico da datura; tinha alucinações com pessoas que não estavam presentes, e confundia tudo.
– Você é o meu alfaiate? – perguntou várias vezes enquanto eu a levava de volta ao quarto. – Você é o meu alfaiate?
Quando estávamos de novo nos meus aposentos, tirei minha jalaba e ambos descobrimos que eu estivera usando o que ela delicadamente descreveu como suas ‘calçolas’. Eram pequenas demais para mim e nenhum de nós sabia como couberam. Esse pequeno incidente de troca de roupas foi o clímax de uma noite espantosa e eu gargalhei. Devolvi suas calçolas e fomos para a cama, confusos, tranquilizados, exaustos e divertidos.
Depois que essa experiência passou, a garota e eu nos tornamos mais amigos ainda. Nunca mais fizemos amor, não era realmente o tipo de relacionamento que nos convinha. Ela não recordava nada do que acontecera no telhado. Cerca de uma semana depois, contei-lhe minha impressão sobre a experiência. Ela ficou espantada, mas aceitou. Eu não sabia o que tinha acontecido. Batizei de ‘luv’ o fluido obsidiano que tínhamos gerado, algo mais do que amor (love), algo menos do que amor, talvez nem mesmo fosse amor, mas uma espécie de experiência humana potencial que ainda não foi medida, e da qual muito pouco se sabe.”
Terence McKenna, Alucinações Reais [Editora Record, 1993; tradução de Alves Calado].
Imagem: Thubten Yeshe Sherpa