Antes a manifestação tivesse sido confundida com um carnaval. Da próxima vez, professores, tragam mulatas seminuas na frente, que aí os policiais baixarão as escopetas. Um carro alegórico até que não será de mau uso. Adoraria ver uma ala de baianas formadas pelas históricas tiazinhas gordas que habitam as repartições públicas. Todos vestindo vermelho e dourado.
Quesito: pureza ideológica.
Nota: 8.3
O carnavalesco diz que agora é feriado, dia 1 de Maio. Data que remete a uma ação comunista ocorrida há mais de século. Os vermelhos estavam, como durante muito tempo costumaram estar, do lado dos que exigiam. Manifestações respondidas com violência, mortes, greves. Com exceção das mortes, foi o mesmo espetáculo que Beto Richa, século depois, quis dar. Que a posteridade guarde o seu nome, e o daqueles que o apoiam dentro ou fora das fronteiras do Paraná. Mas e o feriado?
Não dá pra disparar balas de borracha num feriado. Só dá pra aproveitá-lo, fazendo brotar em nós aquilo que Eneida Orides chamou de enferiamento da alma. Imagino trupes de homens de terno e gangues de secretárias sentados no colo uns dos outros, assinando acordos evasivos de maneira perfunctória, de olho apenas nas poupanças que se afundam em sofás que cheiram a whisky e prostituição de luxo.
A culpa existe, mas tantas transações e tanto câmbio fazem com que caia o seu valor. Aí todos, até os mais pobres, poderão assumi-la, a culpa. Expiá-la no Seu Programa Evangélico Favorito. Uma Catedral tão grande que é impossível pô-la abaixo.
A imortalização da data, de certo, foi instituída tendo em vista uma motivação muito mais séria do que um mero dia de descanso. Reconhecimento de uma causa conseguida através da comoção? Que seja, o trabalho necessita cada vez mais de seu descanso. O feriado celebra as duas coisas.
É possível rastrear a importância que tal celebração tem para os que passam por ela? Beto Richa deve saber. O cinismo é impossível na ignorância. O professores sabem? Os que tomam partido de um ou de outro, sabem? E se sabem, de que vale que eles saibam? Ninguém fará do dia do trabalho, ou da semana que o precede ou o sucede, um período de exceções como a quaresma ou a Sexta-Feira da Paixão. Se não sabem, que os radicais canibais se mergulhem de uma vez por todas nesse enorme caldeirão de feriados que o nosso calendário entorna todo ano. Em outras palavras: a única função de um feriado é essa? O descanso? Sua existência não é acompanhada por nenhum exercício de memória? Algum exercício de memória, sendo assim, é capaz de produzir qualquer melhora ética em nosso comportamento político?
Os que tremem de medo do comunismo, e que buscam na bula de um papa que ficou pianinho com os nazistas, como foi o Pio XII, o exorcizante crucifixo que os auxiliará a passarem ilesos pelo vale da sombra da morte que são os corredores das universidades brasileiras, assim como fez também nesta semana aquele pobre garoto cristão na Pontífica Universidade Católica de Goiâinia durante uma palestra da CNBB, estes, os que temem os vermelhos, são os que mais teriam razões para ignorarem o feriado e continuarem levando adiante suas vidinhas como se estivessem em um dia qualquer.
– Mas nós já temos tantos feriados… Os principais… – ouvi um católico dizer. – É justo que os outros também tenham os seus. Nenhum deles será tão importante quanto os nossos.
Medo de comunista é uma coisa que os católicos têm bem mais que os protestantes brasileiros. E olhe que os segundos é que deveriam ser os inimigos históricos dos vermelhos, ao invés dos católicos, talvez por sua filiação e compatibilidade maior com a bem-aventurança da empresa capitalista. Onde é que está o deus dos comunistas? Acontece que, entre os protestantes brasileiros, o nível tem andado tão baixo, mas tão vulgar e torpe, que seus fiéis sequer devem saber o que é um comunista, e também nem conseguiriam identificá-lo na rua caso necessário fosse. Há quem queira crer que os comunistas são para o capitalismo aquilo que o diabo deve ser para os cristãos. Defender o capitalismo é uma redundância. Quase não há espaço pra que se peque contra ele.
A maior parte dos comunistas, professores ou não, teria o maior orgulho em ser excomungada, e em sua unanimidade, professores ou não, também diriam que preferem mil vezes ser excomungados do que reprimidos com tiros de borracha, bombas de gás, e cães descontrolados. Mas os comunistas estão em extinção. Os yuppies de esquerda os substituíram. Estes nada podem e nada querem fazer para acabar com aquilo que chamamos de trabalho. O caldeirão de feriados é denso e profundo, e nele se afundam nossos impuros temperos. Os católicos talvez devessem, por motivos de coerência, ser um pouco mais entusiasmados com o fim do trabalho, atividade que para os protestantes é algo central em sua ética. A Era do Descanso ainda está bem longe. Será instituído um feriado prolongado para toda a civilização quando ela chegar.