A Era das Apontações de Dedo

neorauch

A Era das Apontações de Dedo

Está vendo aquela ribanceira ali? Bem no meio do gráfico? Foi ali que nascemos, nas encostas de um buraco, uma curva demográfica que nunca vai descer. Nunca vai descer. Até chegar à lua, e daí galgar escalas mais astronômicas. O Papa Francisco é um bundão em não convocar os cristãos para a Guerra Santa contra os muçulmanos. Quem impede? Um amigo me disse que o Papa, sabendo ser o último cristão, deverá manter a humildade, como é recomendado que o façamos em tempos apocalípticos. Novos eões, mais complicados, nos aguardam. Uma era em que se possa queimar livros à vontade, sem que se sinta a falta deles.

Digitalizem tudo antes que os muçulmanos do mal botem fogo. É que os bárbaros chegam hoje. Temos várias opiniões disponíveis, umas mais caras que as outras, mas todas disponíveis. Escolha bem, pois que o custo pra voltar atrás é ainda mais alto. Onde hipotecar? Uma avenida de opiniões bem informadas, lúcidas, muito bem adequadas e preparadas para o diálogo, avança inexoravelmente pela esplanada. Quem estiver pelo caminho, será convencido, pois não irá dispor dos argumentos necessários para driblar o imenso e catequizante bloco das egrégoras. Qualquer um, porra, qualquer um é capaz de fabricar uma opinião e de se esconder atrás dela. Então por que tanta apontação de dedo? O povo não lê porque é burro e é burro porque não lê, mas, além disso, é necessário ter cuidado com o que se diz, com o que se pensa, com o que se faz, com o que se obra, com o que se come, com quem se deita, com quem se fala, com o que vê, por quem é visto, o que ouve, e talvez também até o que se cheira. Dedadas. Espólios de dedadas.

Há uma teoria bem divulgada nas raves budistas que diz que há inúmeros spots espalhados pelo planeta. O que seriam? Pontos energéticos. Pontos G, espalhados pela Terra. Por exemplo mesaninos naturais que dão de vista para o encontro de uma cachoeira com o mar em uma ilha. Altares para os quais migram os neo-hippies, e espaços pelos quais também passeiam os OVNIs, que nada mais seriam do que os massagistas de Gaia, muito especializados nas dedadas que devem dar nesses spots-pontos G que aparecem por aqui e acolá, também, por exemplo, em Stonehenge, em Choquequirao, Ilha da Páscoa, Yucatán. Lugares citados em qualquer lista de discussão na Internet, porque são simbolicamente favoráveis às apropriações. Mas também temos certos vórtex mais desconhecidos, que sobem ou descem, dependendo do botão que se aperta no nosso elevador mental. Tudo isso distribuído num desenho bem simétrico sobre o globo terrestre, formando triangulações, pentagramas e dodecaedros. Chakras planetários. Não pense nos alienígenas como pequenos seres cinzas de olhos pretos, ou grandes criaturas angelicais semelhantes aos elfos. Considere a hipótese de serem eles apenas grupos de luzes misteriosas que se dedicam a massagear geograficamente as zonas erógenas da Terra, das quais emanam grandes fontes de energia. E onde vai parar tudo isso? Resumir a fé na crença das energias cósmicas me faz querer ajoelhar e rezar voltado para Itaipu. Não mude de assento durante o embarque. Não mude de assunto durante o parágrafo. Não terceirizem vossas crenças. Quarteirizem. Urge que quarteirizemos as opiniões, mais do que terceirizar os serviços dos setores já moralmente terceirizados.

Não é à toa que soem sinos os boicotes, então. Por que não boicotar tudo? Não faltam motivos. Quais inimigos escolheremos ter? Por que os teríamos? Celebrar-se-á a diferença ou a semelhança? Ateus cubanos? Cirurgiões dervixes persas, por exemplo, ou livros orientais que nos ensinam técnicas que os imortais descobriram para continuarem perambulando por aí sem que sua ignorância cósmica os oprima.

Veja o céu noturno quando sem luz se torna mais azul ao nos acostumarmos com o clarão. Os dedos, para onde apontá-los? Vão com aquilo que nos sequestra o juízo e nos faz querer provocar os outros. Uma sociedade de provocações constantes, em que os programas políticos são medidos em termos de incômodo. O Índice Incômodo. Falaremos do Índice Incômodo do jornal do meio-dia até o da meia-noite. Uma sociedade de ejaculação precoce (Sérgio Vaz), de falação (Ignácio de Loyola Brandão), que tem como ave nacional o papagaio (Bruno Tolentino). Aquela criança que está começando a engrossar a voz, ou quando, após uma série de piadas sem-graça feitas na sala de uma festa que já está acabando, um certo olhar interno nos ensina que é hora de silenciar. E de irmos embora em silêncio.

Leonardo Stockler


Imagem: Neo Rauch.

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