Estejam atentos

ET-Biberman

“- Por que é que alguém tem uma ‘visão melhor sobre as coisas’? Por que é que, quando exigimos mais objetividade, falamos em clareza? Associamos a lucidez ao bom olhar, à boa visão, a visão do caçador. Ao passo que todos pensam em limpar a vista, também há quem fale em desentupir os ouvidos. Já houve quem confundiu o som de tiros de canhão com o de um terremoto, mas não se esqueçam: há uma doença comum entre os especialistas da leitura labial, que só é adquirida após muitos anos de trabalho. Alguns chamam isso de problema de imaginação, ao mesmo tempo em que o que ocorre é um verdadeiro excesso dela, provocado pelo acumulo dos anos em que o indivíduo passou lendo os lábios alheios. A noção de diferença foge em direção ao que se diz e o que se quer que seja dito, o que pode ser dito, os movimentos feitos pela boca. A vítima começa a ver semelhanças em tudo, e passa a, literalmente, inventar os diálogos que pensa ter lido, quando alguma semelhança indica a ela que já pode ter ouvido isso em algum lugar. Alguns chamam isso de enfermidade, outros de síndrome. O cérebro torna-se preguiçoso. É como quando tentamos resolver apenas de cabeça certas operações matemáticas que já conhecemos. Os referenciais derivados das experiências anteriores acabam impedido que outros apareçam. A leitura labial é uma técnica bem apurada. Há alguns truques e segredos que esses heróis desenvolveram para evitar a perda dos referenciais. Não percam de vista a língua, nem o olhar. Evitem as semelhanças. Já lidei com inimigos que treinaram o suficiente para conquistarem o divórcio dos olhos com a boca, conseguindo assim enganar os que os leem, levando-os a crer, pelo olhar, que disseram algo triste, ao passo que todos em volta deram risada. Mais ou menos como aquela música dos Bee Gees: I Started a Joke.”